Por
António Braga (*) (**)
O
Governo da República, como demonstra o Orçamento de Estado para 2013 agora
apresentado, rasgou de vez todos os compromissos que lhe valeram a vitória
eleitoral. Todos estamos bem lembrados de que o actual Primeiro-Ministro criou
uma crise política ao derrubar o Governo anterior e tentou justificá-la dizendo
que faria mais e melhor. Fez promessas. O povo confiou. Alguns meses decorridos
e já todos perceberam o logro eleitoral.
Hoje
sujeito a sacrifícios extremos, muito para além do memorando de entendimento, o
País é confrontado com a inutilidade das suas provações e com a impreparação
política de um Governo incapaz, enredado nas suas próprias contradições.
Diante
das suas responsabilidades directas na execução orçamental do ano em curso,
designadamente pela estrondosa derrapagem do défice, já reconhecida, escolhe
justificar-se deitando mão ao passado por pura incapacidade de construir uma
esperança para reganhar um futuro para o País.
Portugal caminha, perigosamente,
para uma espiral recessiva, que resulta de um caminho em que à
austeridade se sucede a austeridade; em que a economia se afunda até ao não-retorno; em que o desemprego devasta famílias inteiras, centenas
de milhares de pessoas; em que os jovens abandonam
a escola e os que mais se qualificaram emigram.
E o que se propõe o Governo com este
orçamento? Lançar, no dizer de Bagão Félix,
«um napalm fiscal», atitude que Marques Mendes classifica de «assalto à mão
armada» e da qual se distanciam, entre mimos de desencanto e apreensão, as
personalidades de topo dos partidos da coligação.
O recurso ao enorme
aumento de impostos é a prova absoluta da falta de visão e de estratégia
orçamental.
Insuspeitos, anteriores e
actuais dirigentes dos partidos da coligação não conseguem disfarçar o seu
incómodo. Este orçamento é mau e é portador de uma autêntica bomba atómica
fiscal. É mau, como disse António José Seguro, porque insiste no caminho
errado.
Mas, qual é a razão da
insistência em mais austeridade quando todos sabem que esse é um caminho sem
saída, a não ser a do empobrecimento brutal do País, que esmagará irremediavelmente
a classe média?! A ideia salvífica que preside à ação deste Governo colocou os
seus membros em estado de negação.
O Partido Socialista, o Presidente da República, os
parceiros sociais, até o Fundo Monetário Internacional, todos dizem que esta
dose de austeridade é irrealista. Só o Governo prossegue teimosamente na
receita do empobrecimento. As famílias chegaram à exaustão financeira. Os sacrifícios
estão já para além do limite.
Se
o orçamento proposto é inexequível, a degradação pública de um Governo, sem
rumo e sem liderança, é exasperante.
É
um Governo de tão poucos ministros e de tantos assessores, que se desautoriza a
si próprio, que deixa cair na rua o texto do Orçamento antes de o apresentar,
que publicita jornalisticamente quatro versões e que, a julgar pelas palavras
do Senhor Ministro das Finanças, caminha para uma quinta versão.
É
um Governo que não fala com os parceiros sociais que nele confiaram e que por
ele são enganados, surpreendidos diariamente por medidas que são estranhas aos
acordos e se distanciam deles; é um Governo que fez cinco actualizações do
memorando de entendimento sem ouvir ninguém; é um Governo que apresentou estratégias
para o País na Europa, sem consultar o órgão de soberania Assembleia da
República; é um Governo que andou de TSU em TSU até ao recuo final; é um Governo
que falta à palavra dada.
Passos
Coelho constrói há muito a degradação pública da imagem do Executivo, está
isolado e distante dos portugueses, abandonou a concertação e os parceiros
sociais; pior ainda, abandonou as pessoas.
A
alternativa existe. Há mais de um ano que temos vindo a defender um caminho
diferente e que propõe a adopção de medidas ao nível europeu e nacional.
Intrigante
é saber que o Governo sempre se distanciou desse caminho, mas, afinal, ouvimos,
agora, o grito de revolta do Senhor Ministro da Economia, que, num sobressalto,
afirma que a «Europa tem que perceber, sem crescimento não resolvemos o
problema da dívida».
O
Partido Socialista anda há mais de um ano a propor isso mesmo, recebendo sempre
a mesma resposta do Governo: custe o que custar!
Mas
o problema é que o Primeiro-Ministro já desistiu da Europa, e com ele todo o Governo,
ao reduzir o seu espaço de intervenção às vénias a Berlim.
O
Governo não tem rumo, nem estratégia, está refém de um parceiro de coligação
desconfortado e, sobretudo, de um Ministro das Finanças em desnorte, cujas
equações, todas muito bem explicadas, persistem com um problema: não acertam
com a realidade.
Agora
é o FMI que muda essa realidade e já refez os cálculos relativamente aos
efeitos da austeridade nas economias. No caso de Portugal, há quem, com esses
dados, projecte o impacte negativo no PIB até 5.3 pontos. O Governo aponta para
um recuo de 1% para 2013. Mesmo que sejam 2 pontos, como refere o Banco de
Portugal, essa “simples” alteração rebenta com todas as contas do Governo.
Com
este dados precisa o Governo de mais alguma coisa para perceber que tem de
mudar de rumo?
(*)
Presidente da Assembleia Municipal de
Braga e vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS na Assembleia da República.
(**) Artigo publicado na edição de 22 de Outubro do 2012 do "Diário do Minho".
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